Histórias que Fazem Parte da Identidade Local
Com mais de 6 mil edições impressas, a Folha dos Lagos celebriza seus 35 anos republicando artigos e reportagens que representam a rica história da região. Entre essas publicações, encontra-se o trabalho de Meri Damaceno, que está prestes a concluir um livro repleto de causos e relatos que moldaram a identidade cabo-friense. Segundo a autora, a obra é resultado de um trabalho de pesquisa que abrange os últimos 100 anos da cidade, sendo lançada no mês do folclore, em agosto.
O título “Cabofrianças” é uma construção única, que não aparece em dicionários, mas que, para Meri, representa as “coisas de cabo-friense”. A obra não apenas coleciona histórias orais, mas também traz um acervo fotográfico de Cabo Frio, com registros que datam de 1915 até a década de 50. As imagens, pertencentes ao arquivo pessoal de Meri, foram capturadas por três renomados fotógrafos do estado: Wolney, Picarelli e Malta. Entre os registros, destaca-se uma foto da antiga escola Ismar Gomes, que na época era o Clube Avenida, mostrando que o espaço possuía dois andares, uma informação surpreendente para muitos.
Leia também: Projeto ‘Olhar da Perifa’ Lança Segunda Edição em Cabo Frio com Oficina de Direitos Humanos
Meri Damaceno explica que o livro é também uma homenagem a Octacílio Ferreira, um pesquisador que foi fundamental em sua jornada, sendo o fundador do movimento de escoteiros em Cabo Frio. A parceria entre Meri e Octacílio começou em abril de 1991, quando eles começaram a explorar documentos históricos na Câmara Municipal. “Era comum que Octacílio interrompesse a pesquisa para compartilhar histórias da cidade, refletindo sobre como muitas dessas narrativas poderiam se perder ao longo do tempo. Ele me pediu para gravar tudo para que pudéssemos reunir em um livro depois”, relembra Meri, tocada pela memória de seu amigo que faleceu devido a um câncer apenas seis meses depois de suas reuniões.
Causos Curiosos e Personagens Marcantes
Leia também: Projeto ‘Olhar da Perifa’ Lança Segunda Edição em Cabo Frio com Oficina de Direitos Humanos
O livro “Cabofrianças” é rico em relatos intrigantes, incluindo o famoso caso do delegado Juca Macedo, que proibiu o jogo de bola de gude na cidade em 1912. Meri conta que esse delegado era conhecido por seu estilo autoritário, utilizando a agressão física para manter a ordem. Muitas pessoas, temendo suas represálias, se escondiam na restinga de Massambaba. O delegado, montado em seu cavalo, capturava os foragidos e os levava à prisão, localizada na antiga Rua Direita, hoje conhecida como Érico Coelho.
Outro personagem que se destaca é o padre Nunes, um português que viveu até os anos 40 e enfrentou a perseguição dos maçons por criticar a associação. Ele era um apoiador do Partido Conservador (Liras) e suas convicções o levaram a ter diversos conflitos, incluindo uma surra pública na Praça Porto Rocha, mas isso não o fez recuar de suas posições.
Leia também: Projeto ‘Olhar da Perifa’ Lança Segunda Edição em Cabo Frio com Oficina de Direitos Humanos
Entre os mais de 100 causos coletados, Meri decidiu deixar de fora as histórias mais recentes. São mais de 20 horas de gravações com pessoas de diferentes idades, todas acima de 70 anos. Entre os relatos, encontra-se o curioso caso do “fantasma” que, após ser atingido por uma pedra arremessada por um pescador, acabou no hospital com um braço e duas costelas quebradas. Esse espírito estava, na verdade, tentando namorar a empregada de Dona Maria Salles, esposa de uma das figuras mais conhecidas de Cabo Frio, o que se transformou em uma história divertida e reveladora sobre a comunidade.
Outro causo interessante fala sobre Nenê Póvoas, que, ao descobrir que sua amante dançava com outro homem em um baile, decidiu se vingar de uma forma inusitada. Ele preparou uma mistura inusitada e a espalhou pelo salão, causando um verdadeiro tumulto. Essas histórias, segundo Meri, são não apenas divertidas, mas também essenciais para compreender a identidade do povo cabo-friense, que, segundo ela, está se perdendo com o tempo. “O que eu quero com este livro é preservar e compartilhar essa memória”, conclui a autora.