Um Pensador Visionário
Sergio Miceli, amplamente reconhecido como uma figura fundamental na sociologia da cultura no Brasil, dedicou sua carreira ao estudo da história dos intelectuais. Durante essa jornada acadêmica, suas investigações abrangeram desde programas de auditório na televisão até a elite eclesiástica do país. Professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Miceli faleceu no dia 12 de dezembro, aos 80 anos, vítima de um câncer no fígado.
A socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda, vice-reitora da USP e colega de Miceli, destacou que ele “dessacralizou a vida intelectual brasileira”, estabelecendo um novo paradigma para analisar fenômenos culturais ao desconstruir a ideia de que a produção artística e intelectual existisse em um espaço isolado das relações sociais.
Obra Clássica e Análises Inovadoras
Um marco na obra de Miceli é o livro Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945), publicado originalmente em 1979, a convite de Fernando Henrique Cardoso, então sociólogo e futuro presidente do Brasil. Essa pesquisa de doutorado, defendida em 1978 na USP e com dupla titulação pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França, recebeu orientação dos renomados sociólogos Leôncio Martins Rodrigues e Pierre Bourdieu.
Leia também: Ifac Lança Seleção para Professor de Sociologia com Salário Atraente de até R$ 4,8 Mil
Fonte: acreverdade.com.br
Leia também: Último Encontro do Ano do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura Acontece em Fortaleza
Fonte: cidaderecife.com.br
O relacionamento entre Miceli e Bourdieu começou através de correspondências, quando o jovem pesquisador organizou, no início da década de 1970, uma das primeiras coletâneas de artigos do sociólogo francês no Brasil. Essa coletânea, intitulada Economia das trocas simbólicas, foi publicada em 1974.
Em sua tese, Miceli analisou as conexões entre figuras proeminentes da literatura, como Monteiro Lobato, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade, e a classe dirigente do país. O sociólogo Marcelo Ridenti, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), enfatizou a relevância desse trabalho ao destacar como Miceli estabeleceu uma nova compreensão das interações entre a produção cultural e as estruturas sociais.
Debates e Críticas Construtivas
A defesa da tese de Miceli ocorreu na presença do respeitado sociólogo e crítico literário Antonio Candido, que, embora tenha feito críticas rigorosas ao trabalho, acabou assinando o prefácio do livro, mantendo um diálogo respeitoso com o autor. Em uma entrevista à Revista Estudos de Sociologia, Miceli lembrou da preocupação de Candido com a forma como tratou a trajetória de certos intelectuais, revelando um descontentamento com a objetivação dos personagens discutidos em sua obra.
Entre 2009 e 2013, Miceli coordenou o projeto temático “Formação do campo intelectual e da indústria cultural no Brasil contemporâneo”, financiado pela FAPESP. O pesquisador Ridenti, um dos participantes do projeto, observou que os debates com Miceli enriqueceram sua pesquisa, culminando no livro O segredo das senhoras americanas, que explora a atuação de intelectuais brasileiros durante a Guerra Fria.
Leia também: José Sérgio Leite Lopes é homenageado como Professor Emérito da UFRJ – Reconhecimento e Legado
Fonte: agazetadorio.com.br
Contribuições para a Indústria Cultural
A temática da indústria cultural foi abordada por Miceli desde sua dissertação de mestrado, defendida na USP em 1971. No trabalho, intitulado A noite da madrinha: Ensaio sobre a indústria cultural no Brasil, Miceli analisou o programa de auditório de Hebe Camargo, destacando como a apresentadora perpetuava estereótipos femininos na sociedade brasileira durante a ditadura militar.
O sociólogo André Botelho, da UFRJ, enfatiza que Miceli seguiu um caminho empírico e sociológico, diferindo da abordagem filosófica da Escola de Frankfurt. Ele demonstrou como a imagem de Hebe Camargo, ao encarnar diferentes papéis femininos, reforçava valores conservadores da época.
Reflexões Pessoais e Legado Duradouro
Miceli não apenas investigou a intelectualidade no Brasil, mas também refletiu sobre sua própria trajetória. Em uma entrevista, ele compartilhou que sua família, de imigrantes italianos, não fazia parte do universo cultural, o que o levou a questionar como se tornara um intelectual. O apoio de seu tio materno, redator-chefe de um jornal carioca, foi crucial em seu desenvolvimento acadêmico.
Com mais de 40 livros publicados, sua produção intelectual é vasta, incluindo títulos como A elite eclesiástica brasileira e Imagens negociadas. Miceli também coordenou a obra coletiva História das ciências sociais no Brasil, que reuniu importantes autores na área.
Seu legado vai além das ciências sociais, influenciando disciplinas como história e artes visuais. A professora Maria Alice Rezende, da PUC-Rio, ressaltou como Miceli facilitou a compreensão de questões de poder e história em suas pesquisas.
Miceli deixa um legado profundo, não apenas na academia, mas também na vida de seus filhos, Pedro, Teresa e Joaquim, além de sua esposa, Heloisa Pontes, professora da Unicamp, com quem co-autorizou o livro Cultura e Sociedade, Brasil e Argentina.

